POLÊMICA RESTITUIÇÃO DE PIS COFINS SOBRE O COMÉRCIO DE CIGARROS
Histórico – Parecer SEI Nº 16182/2021/ME (publicado em 26/10/2021)
Imagem: Maço de cigarros (foto Pixabay CC) [https://monitormercantil.com.br/varejo-de-cigarro-pode-solicitar-restituicao-de-pis-e-cofins/]
O parecer da PGFN trata da dispensa dos procuradores em relação a contestações e recursos por parte da Fazenda Nacional no caso de “restituição de PIS COFINS” na atividade de comércio de cigarros.
O direito à restituição destes valores (PIS COFINS) foi objeto do julgamento no Recurso Extraordinário nº 596.832/RJ perante o Supremo Tribunal Federal (Tema 228 – Restituição de valores recolhidos a maior a título de PIS e COFINS mediante o regime de substituição tributária), cujo resultado final foi favorável ao direito de restituição deste PIS COFINS pago à maior. O julgamento foi realizado sob a sistemática da repercussão geral, e, portanto, tem seus efeitos estendidos a todos os contribuintes que comercializam cigarros, independentemente de ação judicial.
A tese fixada pelo STF determina que:
“É devida a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS recolhidas a mais, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida”.
Em 16/10/2020, a Receita Federal do Brasil emitiu a Nota Cosit/Sutri/RFB nº 446 de 16/11/2020, tratando, inicialmente, do PIS COFINS Substituição Tributária que teve vigência sobre combustíveis derivados do petróleo no passado (até 01/07/2000), porém, na parte que nos interessa (referente à restituição de PIS COFINS para o comércio de cigarros), a Receita Federal do Brasil confirma a possibilidade de restituição. Observe-se o trecho a que nos remetemos:
“13. Portanto, lastreando-se no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal e tendo em vista que a substituição tributária ainda é atualmente aplicada no âmbito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em alguns outros setores econômicos, como motocicletas (art. 43 da MP 2.135-35/2001), cigarros (art. 3º da Lei Complementar nº 70/1991) e Zona Franca de Manaus (art. 65 da Lei nº 11.196/2005), apenas para esses casos (e não para os combustíveis derivados de petróleo), aplica-se a decisão com repercussão geral exarada pela Suprema Corte proferida no âmbito do RE 596.832/RJ”.
Portanto, há posicionamento favorável da Receita Federal do Brasil no sentido de ser devido ao contribuinte o direito de restituir o PIS COFINS pago à maior na comercialização de cigarros.
Em 26/10/2021, a PGFN emitiu o parecer SEI Nº 16182/2021/ME tratando sobre o tema, em relação ao qual destacamos os seguintes trechos:
“O caso revela a possibilidade de restituição de valores recolhidos a maior, a título de contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, em situações nas quais a venda das mercadorias ocorra por preço inferior ao estimado” quando da apuração do PIS COFINS Substituição Tributária, por ocasião da saída do fabricante e/ou importador.
“Não verificado o fato gerador, ou constatada a ocorrência de modo diverso do presumido, surge o direito à devolução”.
Em verdade, manter a tributação do PIS COFINS tal qual realizado pela indústria e/ou importador, sem permitir ao contribuinte o direito à restituição do PIS COFINS sobre cigarros significaria verdadeiro enriquecimento ilícito do Estado, no caso, da União Federal, ente federado competente para a cobrança das contribuições sociais ao PIS COFINS.
Nesta seara, e em análise ao artigo 150, §7º, da Constituição Federal, o Ministro Marco Aurélio reconhece este aspecto e enfatiza o interesse da União ao estimar uma cobrança tributária maior do que à devida, ao utilizar o regime de substituição tributária. Observe-se o raciocínio produzido pelo Ministro:
“Impróprio é potencializar uma ficção jurídica, para, a pretexto de atender a técnica de arrecadação, consagrar e placitar verdadeiro enriquecimento ilícito, no que recebida quantia indevida por aquele que está compelido a dar o exemplo” (…) “(…) quem estima [a base de cálculo do PIS COFINS substituição tributária] é justamente o arrecadador, o órgão fazendário, o Estado. Não acredito que calcule aquém dos valores praticados naquele momento, naquela data, no mercado. Ao contrário, a tendência é estimar valor a mais. Se considerasse a menos, ele estaria aqui a defender a intangibilidade dessa lei para poder cobrar a respectiva diferença, uma vez verificado o negócio jurídico em quantia superior”.
No parecer da PGFN, há manifestação expressa no sentido da concordância ao direito de restituição do PIS COFINS pagos à maior. Esta anuência está expressa no trecho a seguir:
“Nessa perspectiva, não verificado o fato gerador ou ocorrido de modo diverso do presumido, surge para o substituído tributário o direito à devolução do que fora por ele pago quando do encontro de contas para saber se os parâmetros fixados por simples estimativa se tornaram reais”.
A produção e comercialização de cigarros, tanto no passado, quanto hoje, estão submetidas ao regime de substituição tributária para PIS COFINS. Neste sentido, perfeitamente aplicável aos substituídos tributários, conquanto saibam o valor de venda real ao consumidor final e possam compará-lo à base de cálculo do PIS COFINS substituição tributária utilizados no início da cadeia, por indústrias e importadores, o direito de petição e restituição dos valores pagos à maior a título de PIS COFINS.
A conclusão do parecer confirma o direito do contribuinte substituído tributário e não deixa margem para dúvidas a respeito da possibilidade de restituição deste PIS COFINS, tanto assim que há expressa dispensa dos procuradores para que contestem ou recorram tentando reverter estes possíveis pedidos de restituição. A PGFN reconhece que já “perdeu” a briga pela manutenção da cobrança deste PIS COFINS recolhido a maior. Tanto reconhece que “perdeu” como reconhece, também, que não irá mais “brigar” para cobrar e/ou manter estes valores em cobrança administrativa ou judicial.
“Ante o exposto, considerando a pacificação da jurisprudência no STF e a consequente inviabilidade de reversão do entendimento desfavorável à União, a hipótese ora apreciada enquadra-se na previsão do art. 2º, inciso V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016, que dispensa a apresentação de contestação, o oferecimento de contrarrazões, a interposição de recursos, bem como a desistência dos já interpostos, em tema definido em sentido desfavorável à Fazenda Nacional pelo STF, pelo STJ ou pelo TST, em sede de julgamento de casos repetitivos”.
DA POLÊMICA A RESPEITO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO DE PIS COFINS SOBRE O COMÉRCIO DE CIGARROS
NOTA SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME (publicado em 19/10/2022)
Em 19/10/2022, a PGFN publicou nota trazendo novos esclarecimentos sobre o tema. Destacaremos, a seguir, os pontos importantes nesta nota, em especial, a suposta inaplicabilidade, a princípio, ao comércio de cigarros e cigarrilhas.
No teor da nota, a PGFN faz menção a diversos mandados de segurança ajuizados por outros contribuintes nos quais, supostamente, não existiria “qualquer cálculo ou elemento probatório do recolhimento a maior, o que seria indispensável quando se trata de mandado de segurança. Constam apenas afirmações genéricas (…)”.
Há, de fato, um “desabafo” da PGFN no sentido de que, para restituir o PIS COFINS sobre cigarros, é necessário que o cálculo e elementos comprobatórios do direito do contribuinte sejam demonstrados de forma contundente e explícita.
No entanto, a PGFN insiste em raciocínio contraditório dizendo que o direito à restituição seria do PIS COFINS pago a maior se comparado o preço de venda ESTIMADO ao consumidor e o preço de venda ESTIMADO na indústria e/ou importador, desconsiderando o preço de venda realmente tributado na indústria /ou importador, qual seja, a base de cálculo presumida no regime de substituição tributária e o preço de venda efetivo ao consumidor final.
Em nota, a PGFN defende que preços ESTIMADOS devem prevalecer, enquanto que a decisão do STF foi no sentido diametralmente oposto, privilegiando preços EFETIVOS e REAIS. Deve subsistir a primazia da REALIDADE em detrimento da FICÇÃO.
A nota NOTA SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME busca, portanto, mitigar os efeitos da decisão contrária aos interesses da União Federal, através de um raciocínio que privilegia um valor que não serviu à tributação, em detrimento à efetiva base de cálculo do PIS COFINS ST tributada na indústria e/ou importador e ao efetivo valor de venda ao consumidor final.
Na prática, o raciocínio proposto pela PGFN implica no enriquecimento ilícito da União (cujo propósito do STF era exatamente evitar, conforme discorrido anteriormente) porque mantém a cobrança tributária do PIS COFINS sobre parcela do preço diversa daquela que fora efetivamente tributada.
Na nota, há menção a decisão do TRF 4ª região (TRF4 5010148-17.2021.4.04.7205 de 02/09/2022), na qual destaca-se o seguinte trecho: “Os cigarros devem ser vendidos de acordo com o preço tabelado. Se o comerciante varejista decidir vender o produto por preço inferior, isto não lhe confere o direito à restituição do PIS/COFINS porque o contribuinte é o fabricante, importador ou comerciante atacadista”. (grifos nossos)
Importa consignar que o fato do contribuinte varejista vender por preço inferior ao tabelado não tem qualquer correlação com o fato da indústria ter sido responsável tributária pelo pagamento do PIS COFINS substituição tributária.
Há, inclusive, uma atecnia no texto ao afirmar que o fabricante/importador é contribuinte do PIS COFINS substituição tributária, que seria a parcela do PIS COFINS passível de restituição. O fabricante e/ou importador são, em verdade, e no rigor da legislação, sujeitos passivos na modalidade da responsabilidade tributária e não sujeitos passivos contribuintes da parcela de PIS COFINS ST. É o que dispõe expressamente o artigo 121 do Código Tributário Nacional conjugado com a interpretação do artigo 150, §7º, da Constituição Federal.
Entretanto, a referida decisão é decisão pontual, ainda sujeita à modificação e que prevê raciocínio discrepante em relação ao consignado pelo STF no RE n. 596.832/RJ.
Por outro lado, a NOTA SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME propõe restringir, ao menos, a princípio, o direito à restituição do PIS COFINS aos varejistas de cigarros. Ou seja, ainda sem posicionamento definitivo.
“Observação: não é possível aplicar aprioristicamente a presente dispensa ao setor de comércio de cigarros e cigarrilhas, dada a série de peculiaridades, como os coeficientes de multiplicação, previstos no art. 62 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, e o preço final de venda tabelado, que compõe seu regime especial”.
Dentro da lista de temas com dispensa para contestar e recorrer disponível no site do governo federal, tem-se que:
https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/representacao-judicial/documentos-portaria-502/lista-de-dispensa-de-contestar-e-recorrer-art-2o-v-vii-e-a7a7-3o-a-8o-da-portaria-pgfn-no-502-2016#1.31
s) Restituição de valores recolhidos a maior a título de PIS e COFINS mediante o regime de substituição tributária.
Resumo: É devida ao substituto tributário a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins por ele recolhidas a maior, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida.
Precedente: RE nº 596.832/RJ (Tema 228 de repercussão geral).
Data de início da vigência da dispensa: 19/10/2022.
Referência: Parecer SEI nº 2592/2021/ME , Nota Cosit/Sutri/RFB nº 446, de 16 de novembro de 2020 e Nota SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME
Data da Inclusão: 12/04/2021
CONCLUSÕES
A Nota SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME não impede o protocolo de pedidos de restituição do PIS COFINS substituição tributária, pagos à maior, no comércio de cigarros. Ela determina que – no que se refere à restituição de PIS COFINS sobre cigarros -, a princípio, não há a dispensa absoluta para contestações ou recursos por parte da PGFN e da RFB. Por conseguinte, é possível que a RFB e a PGFN questionem pedidos de restituição de PIS COFINS sobre cigarros, porém, o fato de contestar não significa que não há o direito à restituição, mas, sim, que este direito está sendo interpretado de forma diversa, neste caso, especialmente, diante do raciocínio extraído de uma decisão específica e individual proferida pelo TRF 4ª região, que serviu de fundamento à Nota SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME e o raciocínio já definitivo proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 596.832/RJ.
OBSERVAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO TRF da 4ª REGIÃO
A decisão proferida pelo TRF 4ª região (APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5010148-17.2021.4.04.7205/SC) não foi unânime.
EMENTA – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS E COFINS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. VENDA DE CIGARROS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO DAS OPERAÇÕES INFERIOR À PRESUMIDA. PREÇO FINAL TABELADO. ILEGITIMIDADE DO SUBSTITUÍDO TRIBUTÁRIO.
ACÓRDÃO – Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos a relatora (RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH) e o Desembargador Federal Leandro Paulsen, dar provimento à remessa necessária e julgar prejudicado o exame do mérito da apelação da impetrante, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
E em 12/12/2022 a impetrante interpôs RECURSO EXTRAORDINÁRIO e em 22/01/2023 a Fazenda Nacional foi intimada a apresentar as contrarrazões ao recurso. Portanto, trata-se de posicionamento que ainda não tem caráter definitivo, e, conforme exposto, não se trata de posicionamento unânime nem mesmo dentro da decisão proferida pelo TRF 4ª região, que, aliás, só é aplicável à impetrante do referido mandado de segurança.
DA NORMATIZAÇÃO PREVISTA NA IN 2.121/2022
Em 20/12/2022, a Receita Federal do Brasil publicou nova Instrução Normativa regulamentando a apuração do PIS COFINS e, no que tange à tributação de cigarros, previu que a base de cálculo do PIS e da COFINS relativa à venda de cigarros e cigarrilhas por fabricantes e importadores, na condição de contribuintes e de substitutos dos comerciantes varejistas e atacadistas, será determinada aplicando-se ao preço de venda do produto no varejo multiplicado pela quantidade total de produtos vendidos, os seguintes coeficientes multiplicadores de 3,42 para o PIS e de 2,9169 para o COFINS, e, ao final, as alíquotas padrão do regime cumulativo equivalente a 0,65% para o PIS e 3,00% para o COFINS.
Em relação ao direito de restituição, também há uma norma específica concordando com o direito à restituição e disciplinando essa possibilidade, distinguindo a venda no varejo e a venda no atacadista, a despeito da Nota da PGFN limitando, a princípio, o direito de restituição
DO PERECIMENTO DO DIREITO DOS CONTRIBUINTES QUE PERMANECEREM INERTES
Em que pese a polêmica que está sendo gerada pela PGFN na Nota SEI n. 21/2022 fato é que o direito do contribuinte ao pedido de restituição está decaindo ao longo dos meses, o que favorece o interesse público, afinal de contas, gerando “dúvida” sobre o direito do contribuinte, um número menor de contribuintes tendem a protocolar seus pedidos de restituição e, com isso, ao menos parcialmente, é possível evitar a devolução dos valores por absoluta inércia e/ou passividade dos contribuintes em buscarem seus direitos. Enquanto isso, mantendo-se a “dúvida”, há a prevalência do enriquecimento ilícito da União já que apenas parte dos contribuintes realmente buscará defender seus direitos à restituição do PIS COFINS pagos à maior.
Para garantir que seu direito à restituição do PIS COFINS não pereça, é importante que o contribuinte varejista exerça seu direito de petição, seja judicializando seu pleito através de ações judiciais, seja peticionando administrativamente o direito à restituição. Se permanecer inerte, só há uma única certeza: a de que seu direito perecerá mês a mês, de forma irreversível, ainda que, no futuro, o raciocínio proposto na Nota SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME seja revertido.
Neste cenário, saem na frente e capitalizam suas empresas, os contribuintes que estão atentos e que pensam, estrategicamente, suas cargas tributárias e realmente fazem uso da defesa de seus direitos de forma ativa, não aceitando a passividade diante da relação tributária Fisco X Contribuintes.
27 de janeiro de 2023